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Modelo bioecológico e sistémico do desenvolvimento de línguas

2 Enquadramento teórico

2.1 Modelo bioecológico e sistémico do desenvolvimento de línguas

2 Enquadramento teórico

Neste capítulo, apresentaremos os pilares teóricos que sustentam o nosso estudo, nomeadamente o modelo ecológico e sistémico onde situamos o ensino de E/P como LM, as principais teorias sobre os conceitos de LM/LH, e as abordagens holísticas e plurais do ensino de línguas, consideradas por muitos peritos como as mais indicadas para a era da globalização. Referir-nos-emos, ainda, ao papel concreto que as línguas têm desempenhado em diferentes contextos escolares, dedicando um subcapítulo inteiro ao ensino das LM na Finlândia. A nosso ver, o objetivo principal deste ensino é a construção de um repertório e uma identidade plurilingue e pluricultural que permitirão que os alunos se integrem com facilidade em diferentes meios. Vemos pouco viável o modelo de “duas solidões”, o ensino rigidamente separado de duas línguas, que obriga o aluno bilingue a quebrar-se em dois monolingues.

2.1 Modelo bioecológico e sistémico do desenvolvimento de línguas O ensino das LM minoritárias tem uma caraterística que o diferencia do ensino das outras disciplinas, nomeadamente a relação entre o aluno e a LM, por um lado, como meio de comunicação em casa e, por outro, como objeto de estudo formal na escola.

Tanto a relação familiar como a académica dependem de vários fatores individuais, sociais, culturais e afetivos. Assim, para alguns alunos pode ser estranho ou até incómodo ouvir e falar LM na escola, se estiverem habituados a usá-la só com os familiares mais próximos. Para outros, pelo contrário, a aula de LM pode representar o único espaço onde se sentem à vontade, entre os seus, e bem compreendidos.

A maior parte das iniciativas teóricas e pedagógicas relacionadas com o ensino das LM, hoje, baseiam-se em dois pressupostos principais: 1) Os alunos desenvolvem as suas competências linguísticas dentro de um sistema ௅ ou ecologia ௅ de interrelações sociais, culturais e linguísticas e 2) a língua, nas suas modalidades oral e escrita, é uma prática social que os indivíduos aprendem, principalmente se forem crianças, não para aprenderem uma língua, mas para poderem juntar-se a grupos, participar na interação e exprimir as suas necessidades (Parra, 2014: 216; Kela, 2011b: 470.)

Como vemos repetidas vezes ao longo do nosso trabalho, um dos maiores desafios dos professores de LM é a enorme heterogeneidade relativa aos níveis de proficiência funcional oral e escrita, dos alunos, devido às suas diversas experiências e backgrounds. Os alunos ou nasceram na Finlândia ou vieram para cá, tendo origens em vários países diferentes, com idades variadas, e receberaminput em diferentes línguas, variedades e registos, usando estes, ainda, em diferentes tipos de meios escolares, sociais e familiares.

Assim, os professores deveriam dispor de alguma ferramenta para conseguirem captar e compreender a natureza e a história das competências linguísticas (nas diferentes línguas) e das identidades culturais dos seus alunos. Em especial, precisariam de ver como o meio, principalmente a família e a escola, influenciaram e influenciam na vida e no desenvolvimento linguístico e cultural dos seus alunos. Para este efeito, Parra (2014: 217) sugere o modelo ecológico de Urie Bronfenbrenner ௅

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escolhido também por nós para marco teórico deste estudo ௅ o qual serve para concetualizar diferentes tipos de relações entre os alunos, a casa e a escola, os pais e os professores, as famílias de origem estrangeira e as instituições educacionais e a sociedade circundante. Estas relações implicam questões como: Os pais promovem a LM, ou deixaram de falá-la com o filho? Os professores das outras disciplinas valorizam a LM e apoiam o seu uso na escola? O professor de LM prioriza o uso exclusivo da LM nas aulas, ou valoriza igualmente as práticas bilingues habituais no dia-a-dia dos alunos? Os documentos oficiais e a opinião pública estão a favor da promoção da LM?

Os modelos ecológicos e sistémicos7 permitem ver como as múltiplas interrelações entre as diferentes partes envolvidas, além dos fatores individuais, são cruciais para a manutenção e desenvolvimento da LM. Também demonstram que, como resultado destas interrelações, cada criança ou jovem tem um perfil de aprendente de LM diferente. Os perfis podem ser organizados num continuum de proficiências nas diferentes modalidades e registos da LM, devendo-se acrescentar, ainda, os alunos que não têm nenhum domínio da LM mas que, contudo, se sentem afetivamente ligados a ela. (Parra, 2014: 218௅219; Carreira, 2004 e 2012; Polinsky & Kagan, 2007.)

Urie Bronfenbrenner, psicólogo norte-americano de origem russa, elaborou a sua teoria bioecológica e sistémica a partir de 1979, para descrever o desenvolvimento e o processo de socialização do ser humano. Criticava a investigação que se fazia “fora do contexto”, em ambientes de laboratório, e que não considerava as múltiplas influências dos diversos contextos da realidade em que o indivíduo vivia. O carácter sistémico da sua teoria permitia descobrir e expor as interrelações, papéis, atividades e processos pluridirecionais entre o indivíduo e os vários níveis de contextos, atores e fatores ambientais. O autor define a ecologia do desenvolvimento humano nos seguintes termos, na obraMaking human beings human. Bioecological perspectives on human development, na qual reúne os principais artigos dedicados a esta teoria (Bronfenbrenner, 2005: 107):

The ecology of human development is the scientific study of the progressive, mutual accommodation, throughout the life course, between an active, growing human being and the changing properties of the immediate settings in which the developing person lives, as this process is affected by the relations between these settings, and by larger contexts in which the settings are embedded.

Na Finlândia, a teoria de Bronfenbrenner tem sido aplicada tanto na área da psicologia como na das ciências de educação (Härkönen, 2008: 21). Tendo como base o desenvolvimento e a socialização humana, pretendemos explorar as interrelações

7 Existem também outras abordagens ecológicas que encaram o processo de aprendizagem, as ações e atividades dos professores e dos alunos, e a natureza multidimensional (multilayered) da interação e do uso da língua, em toda a sua complexidade e como uma rede de interdependências entre todos os elementos do cenário, não só a nível social, mas também a nível físico e simbólico (van Lier, 2010: 3).

Segundo o modelo dos sistemas complexos e dinâmicos (Freeman & Anderson, 2011; Larsen-Freeman & Cameron, 2008), o sistema do desenvolvimento linguístico integra, além dos subsistemas linguísticos – fonologia, morfologia, sintaxe, léxico – também os recursos interiores e exteriores do indivíduo ௅ idade, competência na L1, capacidade e rapidez de aprendizagem, memória, consciência metalinguística, fatores motivacionais, funcionamento dos sentidos, estado de saúde em geral, capacidades motoras, etc.; ambiente e orientação da aprendizagem, meio e contactos linguísticos, etc.)

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entre o aluno de LM e os contextos, atores e fatores ambientais ligados ao processo de desenvolvimento8 da LM, por considerarmos que estes também condicionam o respetivo ensino. Aliás, não devemos esquecer que a socialização de um indivíduo acontece principalmente através da sua LM, podendo a aprendizagem duma L2 considerar-se como outro processo de socialização e de construção da identidade, porque ao apoderar-se duma língua nova, o indivíduo poderá integrar uma nova comunidade (Salo, 2011: 43).

Adaptando a fórmula do desenvolvimento de Bronfenbrenner (2005: 7௅8), o desenvolvimento da língua (DL) é o resultado (f) da interrelação entre a pessoa (P) e o ambiente (E), isto é, DL = f(PE). O desenvolvimento tem lugar no decorrer do tempo, e os fatores da fórmula vão mudando com o processo. A aprendizagem no contexto formal (um dos meios em que se processa o desenvolvimento) é a meta e a consequência do ensino, contudo, aqui, focalizamo-nos no ensino e nos fatores que nele influem, e não nos seus resultados, embora estes também constituam ponto de análise do nosso estudo.

Algumas das características da pessoa (P) são, em princípio, constantes (origem, sexo, temperamento), outras vão mudando ao longo do tempo (idade, capacidades e destrezas físicas, intelectuais, cognitivas e sociais, personalidade, crenças, atitudes, metas e motivações). Estas caraterísticas têm impacto na maneira em que os diferentes contextos do ambiente (E) são experienciados pela pessoa, e vice-versa. Para se desenvolver linguisticamente ௅ e intelectual, emocional, social e moralmente ௅ a criança precisa de estar numa interação progressivamente mais complexa com as pessoas, objetos e símbolos do seu ambiente imediato e, para que a interação seja efetiva, deve ocorrer regularmente, em períodos estendidos de tempo.

A interação tem lugar em processos proximais (proximal processes) que se referem às atividades diárias (de cuidado, comunicativas, lúdicas, educacionais) entre criança௅

mãe/pai, criança௅criança, criança௅cuidador/educador/professor, criança௅

objetos/símbolos. Durante estes processos, a criança vai adquirindo experiências, conhecimentos e competências novas. (Bronfenbrenner, 2005: 147௅148.) Os processos proximais são indispensáveis para a aquisição da LM mas, como veremos, em vez de a sua ocorrência e complexidade aumentar enquanto a criança cresce, aos processos em que se usa o espanhol e o português acontece o contrário, em contexto finlandês.

Seguindo o modelo de Bronfenbrenner (Idem: 80௅81, 148௅152), o nosso modelo sistémico linguístico-ecológico inclui quatro sistemas de ambientes (E) ௅ padrões de atividades, papéis e relações ௅ sobrepostos e interligados: micro-, meso-, exo- e macrossistema (Gráfico 2.1).

8 Segundo de Bot & Larsen-Freeman (2011) (apud Kela, 2011b), a competência dum indivíduo nas diferentes línguas aumenta e diminui, conforme as for usando. O sistema adquirido como L1 influi nas outras línguas do indivíduo, não existindo, em contextos plurilingues, nenhum momento em que ele possa ter “adquirido” ou “aprendido” por completo uma língua. Por isso, estes autores, defensores duma abordagem dinâmica, preferem falar dedesenvolvimento da L2 (second language development), em vez de aquisição da L2.

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Gráfico 2.1 – Modelo sistémico linguístico-ecológico do desenvolvimento da LM

O microssistema é o ambiente mais imediato do aluno, no qual este se interrelaciona ativamente com os pais, irmãos, parentes, amigos, vizinhança, turma da escola, grupo de LM, clube de atividades depois da escola, grupo dehobbies.

Omesossistema diz respeito às interrelações entre os microssistemas, como são exemplos os que ocorrem entre pai e mãe separados, entre os pais e o professor de LM, ou entre o professor de turma e o professor de LM.

Noexossistema, o aluno não é participante ativo, mas as ocorrências nele podem afetar o seu microssistema, ou vice-versa; local de trabalho dos pais, rede de amigos dos pais, relação dos pais com a sociedade finlandesa e/ou com o país de origem, normas e práticas das Divisões de Educação relativas às LM.

Finalmente, omacrossistema é o ambiente mais afastado do aluno, que envolve e influi em todos os outros ambientes; política linguística do Estado, Leis e Recomendações sobre a LM, normas, valores e atitudes perante a LM, o plurilinguismo e a pluriculturalidade.

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O quinto sistema, ocronossistema, não foi integrado no nosso modelo, dado que o “estado de arte” analisado se refere à situação do ensino nos anos 2013 e 2014, durante os quais foram recolhidos os trêscorpora principais. Ainda assim, uma parte das respostas dos informantes apontam tanto para o passado como para o futuro. O cronossistema inclui o tempo a nível individual e o tempo histórico; as mudanças no sistema educacional alteram a posição das LM; os episódios da vida familiar da criança, como o nascimento de um irmão, o divórcio dos pais ou a mudança de país, influencia no desenvolvimento da LM.

O modelo, portanto, considera o maior número possível de variáveis relacionadas com o desenvolvimento (aquisição/aprendizagem/atrição) da LM, embora o cerne aqui seja o ensino formal destas línguas, que as outras variáveis reforçam e impulsionam ou, pelo contrário, travam e dificultam. O modelo também regista a agência ativa/passiva dos alunos e dos pais, dos professores e dos funcionários municipais. Além disso, demonstra como a política linguística do Estado e dos municípios condiciona esta agência. Esperamos que o modelo inclusivamente ajude aos professores e aos pais a captar e diagnosticar os fatores inerentes ao processo de ensino௅desenvolvimento da LM dos seus alunos e filhos.9